A tendência mais frequente fragiliza a construção da identidade partidária
Câmara dos Deputados, em Brasília (Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil)
O Brasil tem registrado ao longo dos anos um crescimento esporádico na troca de partidos políticos pelos candidatos. Só neste ano, 122 deputados fizeram a troca durante a janela partidária. O Mestre em Ciência Política da UFF, José Paulo Martins, afirma que essa situação é recorrente e acompanha a história da política brasileira:
- É tradição no Brasil um certo descompromisso de candidatos e políticos com os partidos. Vimos vários políticos importantes mudarem de partido durante sua trajetória política. E os partidos, por sua vez, têm o costume de buscar atrair políticos de outras legendas.
Para completar esse contexto, o pré-candidato a deputado federal pelo PDT, Wanderson Nogueira, acredita que o Fundo Partidário é um dos principais fatores que contribuem para essas alterações na lista de representantes dos partidos.
- No Brasil, a utilização dos Fundos Partidários e Fundos Eleitorais virou um leilão, onde muitos candidatos vão para quem dá mais - afirmou.
O deputado ainda mostra o quanto o recurso pode ser contraditório e como pode contribuir para a desvalorização do partido:
- O Fundo Eleitoral tem tido um peso muito grande, e isso poderia ser muito positivo para os partidos investirem nos candidatos que tem mais a ver com a sigla. O problema é que tem sempre aqueles que não tem a ver com absolutamente nada. Aí nesse sentido você tem o próprio partido permitindo que os candidatos escondam a sigla, não falem da sigla, não levantem possíveis bandeiras das siglas.
Em um outro ângulo é possível ver os partidos usando os Fundos para disparar na corrida eleitoral, como aponta o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), André Ceciliano:
- O que a gente viu nos últimos dias foi sempre o partido buscando candidatos que têm possibilidade de se eleger oferecendo recursos do Fundo Partidário, especialmente para candidatos a deputados federais. Outro fator que faz diferença é a oportunidade de estar junto com o governo da ocasião que você tem mais chance de ter emendas parlamentares e mais recursos para a base parlamentar.
Duas fontes de recursos públicos ajudam os partidos a financiar as campanhas de seus candidatos, no Brasil: o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, popularmente conhecido como Fundo Eleitoral, e o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, o Fundo Partidário.
De acordo com o portal do TSE, o Fundo Eleitoral tem os seguintes critérios de divisão:
- 2% são divididos igualmente entre todos os partidos; 35% divididos entre aqueles que tenham pelo menos um representante na Câmara dos Deputados, na proporção do percentual de votos obtidos na última eleição geral para a Câmara; 48% divididos entre as siglas, na proporção do número de representantes na Câmara, consideradas as legendas dos titulares; e 15% divididos entre os partidos, na proporção do número de representantes no Senado Federal, consideradas as siglas dos titulares.
Já para o Fundo Partidário, o portal do TSE diz:
- Atualmente têm direito aos valores as legendas que, na legislatura seguinte ao pleito de 2018, obtiveram no mínimo 1,5% dos votos válidos nas eleições para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas. Ou as que elegeram pelo menos nove deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das 27 unidades da Federação.
Em uma relação de causa e consequência, o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral permitem eleger uma bancada grande. Quem tem mais verba tem mais chance de atrair candidatos com possibilidade eleitoral. E com uma bancada grande a aprovação de emendas parlamentares passa a ser mais viável.
Influência e relação com os eleitores
O Brasil vota de forma personalizada, focada no candidato, e não no partido. Apesar disso, o cientista político José Paulo Martins, defende que os partidos ainda exercem influência nas eleições.
- Os partidos são estruturas complexas que estão presentes em vários ambientes. A presença física de grandes partidos nos territórios garante votos. Então mesmo que os eleitores não pensem no partido na hora do voto, o partido se impõe - disse o acadêmico.
Para o deputado André Ceciliano, o problema não está nos partidos mas na quantidade:
- O Brasil tem mais de 30 partidos, mas somente de 3 a 5 tem programas sérios e estruturados.
Em contrapartida, a pluralidade partidária é defendida pelo pré-candidato Wanderson Nogueira, que acredita que os partidos fazem as pessoas serem parte de uma ideia , de uma vontade e que a democracia é totalmente dependente dos partidos.
- Existe uma infinidade de partidos políticos, e por óbvio não se imagina que existam mais de trinta pensamentos diferentes, e o erro brasileiro talvez esteja nisso. Mas ao mesmo tempo, não deixa de ser um acerto ter diversidade que é fundamental para não ficar muito dual como acontece em outras nações. Eu vejo com melhores a multiplicidade, não obviamente com esse número gigantesco que temos - afirmou.
Wanderson também reflete sobre o que o eleitor busca em um candidato:
- Acredito que o eleitor médio sempre busca pelo equilíbrio. Salvo claro os períodos como o que nós estamos saindo que é um período de certos extremismos. O eleitor olha para o executivo e busca alguém que tenha certo equilíbrio para governar, se não para todos, para o que se pensa ser um bem coletivo.
Essa relação do eleitor com o partido é bem efêmera e muitas vezes o partido não é levado em conta na hora de depositar o voto em um candidato. Essa é a análise do André Ceciliano que acredita que essa ligação não é favorável para a democracia.
- No Brasil o eleitor vota em um candidato a governador e a presidente da república de um partido de esquerda e vota nos deputados e senadores de direita. Isso é uma distorção que acontece no Brasil. Você tem um governo eleito mas sem base no parlamento - contou.
Relação histórica
No mundo inteiro houve um declínio dos partidos. Os escândalos de corrupção trouxeram uma carga muito negativa para o nome “partido”. Por isso alguns grupos pluripartidários não se nomeiam como partidos, para tentar se desvencilhar dessa influência negativa do nome.
Segundo o especialista José Paulo Martins, o Brasil teve inúmeras interrupções na história dos partidos, o que ajudou a montar o contexto atual.
- O sistema partidário do império não sobreviveu na república velha, o da república velha não sobreviveu no período Vargas, o período Vargas não sobreviveu no período novo, aí veio a ditadura. Agora, pela primeira vez, nós temos um período partidário mais duradouro, sem interferências, sem golpes. Esse momento partidário vai surgir no final dos anos 1980, exatamente quando os partidos nos países desenvolvidos começam a entrar em declínio. Essa dificuldade de consolidação dos partidos levou o eleitor brasileiro a votar de forma mais personalista - explicou.
Reforma política
Em um possível reforma política José Paulo aponta os caminhos que poderiam levar ao aumento da valorização do partidos políticos no Brasil:
- Não ter mais o voto em lista aberta para deputado seria uma opção. Na lista aberta o partido ou as coligações apresentam seus candidatos, e quem vai ordenar essa lista é o eleitor, através do voto. Quem é mais votado em primeiro e assim por diante até o menos votado em último. Muitos países adotam a chamada lista fechada, ou seja, é o partido ou coligação que, de antemão, vai dizer quem é o primeiro, quem é o segundo, quem é o terceiro da sua lista, e o eleitor no momento do voto, vota apenas no partido, não escolhe o candidato. Isso é algo que fortaleceria os partidos políticos. Mas muitos parlamentares que são quem toma essa decisão são eleitos de forma personalista e não tem esse interesse Por outro lado, também tiraria o poder do eleitor de ordenar a lista com quem ele prefere ver eleito.
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