A mudança deste cenário nas eleições de 2022 depende de uma melhora na atitude dos candidatos e de uma reavaliação da população brasileira, segundo especialistas.
Para cientista político, os números acima da média de abstenções e votos nulos é reflexo na urna eleitoral de um desencantamento na política brasileira (Foto: José Cruz/Agência Brasil)
As eleições gerais de outubro vão mostrar se o interesse do eleitorado brasileiro pela política vai continuar em queda ou tende a se recuperar. Há dois anos, as eleições gerais assinalaram uma abstenção de 29,5%, a maior das últimas décadas. Os dados são do Senado Federal. Para o cientista político Ricardo Ismael, o fenômeno está associado a motivos como a crise econômica e política que o país vive, a falta de representatividade que os cidadãos sentem e a desilusão na melhora do sistema político. Isso sem contar com os votos nulos, que também precisam ser observados, nas votações deste ano.
Apesar da justificativa da pandemia de Covid-19 em 2020 - alta da abstenção de votos-, a não estabilidade ou aumento dos números de abstenções e votos nulos, ao longo dos anos, preocupa e coloca em discussão como será essa taxa nas eleições 2022. Em um país onde o voto é obrigatório, a taxa de abstenção registrada na última votação, a de 2020, foi a maior nas últimas décadas: 29,5%. Isso corresponde a um aumento de 8,5 pontos, se comparado às votações dos anos de 2014, 2016 e 2018, que apresentaram taxa de 21% de abstenção. Há um alerta para as grandes capitais do país, como o Rio de Janeiro, que teve um porcentual de 35,4% de abstenção.
Em um recorte para estado e município, nessas votações de 2020, o número também foi muito superior ao verificado nos demais pleitos para prefeitos e vereadores em 2012, com 19,12%, em 2008, com 18,09%, em 2004, com 17,3%, em 2000, com 16,2% e em 1996, com 19,99%.
Para Ricardo Ismael, os números acima da média de abstenções e votos nulos é reflexo, na urna eleitoral, de um desencantamento em relação ao sistema político brasileiro por parte dos cidadãos. Tanto no âmbito nacional como municipal, o cientista político acredita que podem ser vários os motivos que levaram e continuam levando o eleitor a esse patamar, como os constantes problemas na Petrobras de corrupção e presidência, que englobam o nível estadual, com governadores e ex-governadores envolvidos. Além disso, ele pensa que, a partir de 2015, com o aumento da crise econômica do país e o reflexo direto em outras áreas da sociedade, foi o estopim para pessoas mais jovens se desencantarem.
— De uma certa maneira, a crise econômica no Brasil, que foi bastante acentuada, principalmente a partir de 2015 e 2016, tira a possibilidade de o país ter geração de renda maior, o que afeta a juventude. Hoje, na minha avaliação, lá na PUC, quando vou conversar com os estudantes, por exemplo, há certa dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Isso causa a muitos uma preocupação de que a dificuldade vai permanecer e muitos avaliam deixar o país. Acho que a combinação de crise econômica com crise política, que se agravou na segunda metade da década passada, estão por trás das abstenção de nulos e brancos — disse Ricardo Ismael.
A partir de 2015, com o aumento da crise econômica do país e o reflexo direto em outras áreas da sociedade, foi o estopim para pessoas mais jovens se desencantarem, de acordo com cientista político (Foto: Arquivo/Agência Brasil)
O estudante Gabriel Fadul, de 21 anos, começou a votar com 16 anos, quando tirou o título. A participação nas eleições, com uma idade quando o voto ainda não é obrigatório, foi por influência e incentivo dos professores. Depois, segundo o jovem, ele começou a estudar e entender melhor a política e os candidatos. Para Fadul, porém, ao mergulhar mais profundamente na política brasileira, ele começou a se desencantar com o atual sistema e com os candidatos, por não sentir que há uma diversidade e boas opções que realmente possam mudar o cenário atual de polarização e incerteza de uma mudança positiva para o desenvolvimento do Brasil.
— Os candidatos sempre prometem políticas inovadoras e uma verdadeira mudança, mas não dão esse retorno. Vendo o histórico político dos candidatos, não consigo enxergar essa mudança e não vejo sentido em votar em algum deles. Por isso, voto nulo. Não temos muita opção, tanto para presidente como para governador, nestas eleições de 2022. Vou tentar achar algum candidato para votar, mas caso eu não ache, vou votar nulo mesmo — afirmou o estudante.
Em um recorte para números estaduais e municipais, apesar de não haver crescimento significativo, há leve crescimento ou uma estabilidade e leve queda de abstenção e votos nulos. Ainda assim, os números brutos são importantes porque representam cada eleitor que se abstém do processo político por um motivo. Em 2016, por exemplo, para as votações de prefeito e vereador, em um recorte do Rio de Janeiro, o número de eleitores com abstenção de votos foi de 2 milhões 673 mil 613, o que corresponde a 54% de um total de 12 milhões 414 mil 873 eleitores.
Em relação a votos nulos, são 1 milhão 163 mil 857 eleitores, correspondente a 11,95%. Em um período de quatro anos, nas eleições para prefeito em 2020, mais 824.375 eleitores votaram nulo, em um crescimento para 3 milhões 497 mil 988, 28,08% do total. Em relação ao voto nulo, nessa mesma comparação, houve leve queda, 253.201 eleitores a menos fizeram essa escolha, abaixando para 910 mil 656 eleitores, 10,17% do total. Os dados são do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro.
Apesar de não haver aumento elevado, o cientista político Ricardo Ismael ainda alerta a quantidade de eleitores que preferem se abster de votar, em um país onde o voto é obrigatório. Há, também, preocupação no crescimento desses números por causa dos eleitores que não se veem representados pelos partidos e pela sensação de que o chão político não oferece mais alternativas capazes de superar essa polarização atual e os problemas que o país enfrenta. São nove anos imersos em uma tentativa de mudança nos próprios valores e princípios que norteiam a atividade política no país. É o que aponta Ismael.
— Esse desencanto com a política em geral começa com 2013, manifestações de junho, alí claramente havia uma crítica aos prefeitos que aumentaram o preço das passagens de ônibus. Isso iniciou uma crise de representação, pessoas não se viam representadas pelos partidos. Alguns outros principais partidos de destaque se viram envolvidos com escândalo de corrupção e isso acentuou a preocupação de que o chão político não oferece alternativas capazes de tentar enfrentar problemas que o país tem e superá-los. Começamos a enfrentar uma crise de lideranças políticas e um desejo de renovação dessas lideranças, mas é um processo lento e não ocorre automaticamente — constatou o cientista político.
A técnica em saúde bucal, Missilane Alves*, de 42 anos, vota nulo há anos e não consegue se lembrar da última vez que escolheu um candidato para presidente, governador ou prefeito. Assim como vários cidadãos brasileiros, a justificativa dessa escolha é porque, segundo Missilane, não há opções plausíveis e convincentes o suficiente para serem votadas. A técnica disse que viu a lista de candidatos e nenhum nome a interessou, por isso, pretende votar nulo tanto para presidente como para governador. Além disso, ela não concorda no argumento de votar no “menos pior” apenas para não ficar sem votar.
— Acredito que o voto nulo é a minha oportunidade de demonstrar a minha insatisfação com a conjuntura política atual, de corruptos e corrompidos. Creio que quanto maior for o percentual de apoio da população para um candidato raso que apresenta propostas ilusórias, maior será o tempo que levará para retirar esse cidadão do cargo que o colocaram. Acho que todos temos direito ao voto e temos o poder de escolha, só que toda escolha vem com consequências. Só prefiro me abster desse meio que só vem apresentando candidatos que quase não fazem nada pela população necessitada e apenas visam governar em benefício próprio — comentou Missilane.
Servidor do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, Alexandre Meira ressalta a necessidade de observar que o movimento anti-política tem papel fundamental nos números de votos nulos e nas abstenções de voto no Brasil. Para Meira, esse movimento, fortalecido principalmente em 2018, é preocupante e vem se desenvolvendo ao longo dos anos, principalmente com o fortalecimento diários do poder e uso das redes sociais e da utilização delas na propagação de informações relacionadas às votações. O servidor disse que esse uso indevido fortalece o movimento anti-político e facilita a propagação de fake news, algo a ser observado nas eleições também como influenciador de abstenções e votos nulos, ao poder provocar a desinformação.
— Tudo isso explica, acredito eu, a questão das abstenções e votos nulos. Se observarmos as eleições de 2020, elas já foram profundamente afetadas pela questão da pandemia, por isso o recorde de abstenções, mas podemos observar que a anti-política retornou com os padrões, assim como em 2018. Agora, para um quadro mais detalhado, temos que observar mesmo nestas eleições de 2022 — disse Alexandre Meira.
Tribunal Superior Eleitoral e Tribunal Regional Eleitoral do Rio preparam programas, políticas e ações nas escolas de combate à desinformação para as eleições 2022 (Foto: Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro)
Meira, porém, comenta que tanto o Tribunal Regional como a Justiça Eleitoral elaboram, antes das eleições, e, na prática, durante as eleições, políticas de combate à desinformação, principalmente com o uso das redes sociais para que seja uma votação limpa e justa. Um exemplo foi a criação da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, na gestão do ministro Edson Fachin, que faz parte de um conjunto de ações do Programa de Enfrentamento à Desinformação, lançado em agosto de 2019, com foco nas Eleições 2020 e que se tornou permanente em agosto de 2020, após a assinatura de uma portaria pelo então presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso.
Além disso, o plano estratégico do Programa para as Eleições 2022 já está traçado. Alexandre Meira também diz que, além dos órgãos competentes, cabe a cada um ajudar a evitar a propagação de fake news e checar a veracidade das informações antes de repassar para amigos, conhecidos e compartilhar nas redes sociais.
— Apesar de estarmos com receio no uso das redes sociais este ano nas eleições, a Justiça Eleitoral tem feito um esforço muito grande de alinhamento nacional, no combate à desinformação, criando um programa permanente e estabelecendo parcerias com plataformas digitais e agências de checagem. Eu creio que as eleições 2022 tenham uma realização mais civilizada, acredito e espero que esses números de abstenções e votos nulos possam ser mais baixos em comparação às últimas eleições — afirmou Meira.
Em uma projeção futura, o cientista político Ricardo Ismael volta a falar que, nas eleições deste ano, com cinco especificidades de voto, o eleitor terá a oportunidade de se envolver mais no processo eleitoral e poder resultar alguma diferença para a vida dele na política e para a sociedade como um todo. Ismael ressalta que o trabalho não é apenas dos eleitores, mas de candidatos às eleições e dos próprios partidos de uma verdadeira mudança, não apenas um discurso, mas a realização de questões e ações que afetam diretamente a vida dos trabalhadores do país e aqueles que, hoje, lutam para sobreviver, com a crise econômica que afeta a sociedade brasileira atual. O cientista diz que o cenário atual brasileiro tanto do desenvolvimento como da participação dos cidadãos nas eleições depende de propostas e ações concretas por parte dos candidatos e eleitos.
— Tudo isso depende muito que se discuta mais questões que afetam diretamente a vida dos trabalhadores do país e aqueles que hoje lutam pela sobrevivência, já que o país e o estado do mais, especificamente, passam por uma crise econômica, além de problemas constantes nos transportes, moradias, saneamento básico, na saúde e na educação básica. Além do discurso, candidatos precisam apresentar propostas concretas. Anunciar os problemas e dizer que vai resolvê-los é pouco. É preciso ações concretas — concluiu Ismael.
* Sobrenome modificado para preservar a identidade da entrevistada.
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