Número de adolescentes que tiraram o título foi um dos menores da história em fevereiro, mas bateu recorde após campanhas
Jovens em evento do TSE sobre eleições (Foto: Tribunal Superior Eleitoral)
A pandemia de Covid-19 pode ter influenciado a formação política de adolescentes entre 15 a 17 anos. Tal fator pode ser resultado do baixo número de títulos de eleitores tirados por jovens, em fevereiro deste ano. É o que afirmou o professor de Ensino Médio e jornalista Raphael Kapa. De acordo com o docente: “O jovem de 16 anos, há dois anos atrás tinha 14. O último momento social e presencial foi no sétimo ou oitavo ano. Eu fico me questionando se a gente não está querendo chamar o jovem de ‘apolítico’, mas a própria formação de juventude deles foi interrompida”.
Apenas 830 mil adolescentes da faixa etária em que o voto é facultativo pediram a regularização do título de eleitor ainda em fevereiro. Este é um dos menores números da história, segundo o próprio TSE. Após uma campanha do órgão judiciário e algumas celebridades como Anitta e Luisa Sonza se manifestarem para que seu público juvenil fosse atrás do título, os números subiram, chegando a bater uma marca histórica de mais de 2 milhões de novos eleitores.
Kapa, que é Coordernador de Educação na Agência Lupa, acredita que certas maturidades não foram desenvolvidas pelo adolescente médio de 16 ou 17 anos, pelo menos não o suficiente para que o voto facultativo fosse exercido por livre e espontâneo interesse. É por isso que as campanhas de incentivo ao jovem são tão importantes, segundo o cientista político Fernando Lima Neto.
— Os efeitos da mobilização midiática e do posicionamento de artistas no engajamento eleitoral dos jovens apenas reforça a capilaridade dos meios de comunicação para o exercício da política no mundo. A democracia e o direito ao voto no Brasil são conquistas da sociedade civil que precisam ser preservadas não apenas no âmbito das instituições, mas também no plano da cultura política. O papel da juventude é fundamental para renovar nas gerações futuras nosso compromisso com a democracia. — contou o cientista.
Além das opiniões dos especialistas, os novos eleitores sabem bem do peso de um voto e querem fazer sua parte na eleição deste ano. Emilly Mayrink, 16 anos, residente de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, disse que como uma adolescente não consegue fazer muito para contribuir com o país. Para ela, o voto significa ter uma participação na sociedade brasileira para ajudar em uma melhora. “Todos os meus amigos pretendiam tirar o título ou já tiraram. Todos eles estão muito interessados. Quem me influenciou a decidir tirar (o título) foram minha família e meus amigos.” A estudante contou que vai votar porque quer direitos iguais para toda população, que é algo que todos já deveriam ter.
Por outro lado, Maria Fernanda Marotta, de 16 anos, residente do Rio de Janeiro, decidiu não votar este ano.
— Não tem nenhum político que olhe e pense que um deles vai melhorar tudo. Então nada me motiva. Eles precisam fazer aquilo como prometem. Em época de eleição, falam muita coisa bonita, coisa boa, que vai ser bom para o país. Mas depois não vemos isso acontecendo, a gente não vê aquilo ser cumprido. Não importa qual seja o político. Falta mesmo essa honestidade. — explicou a jovem que está desacreditada com o cenário político brasileiro. Apesar de ter decidido não participar das eleições de 2022, Maria Fernanda admitiu que acha o voto importante e quer um país que as pessoas se respeitem mais.
Mas o que colabora pra juventude se engajar politicamente, além das dificuldades do país por si só, pode ser a arte. É o que motiva Luan Duarte, 17 anos, morador de Niterói no Rio de Janeiro. O estudante vai votar pela primeira vez neste ano e é fã de rap. Segundo o jovem, a arte é a melhor forma de se expressar e de ter contato com seu lado político. “O voto na nossa idade é uma questão de evolução, para não ficarmos estagnados em princípios ultrapassados. É revolucionário.”
O argumento que a influência da cultura pode aflorar o lado político vai além da experiência do Luan, já que diversos artistas entraram em uma campanha para incentivar os jovens eleitores brasileiros. Além de Anitta e Luisa Sonza, nomes como Taís Araújo, Juliette, Zeca Pagodinho e Bruna Marquezine se manifestaram nas suas redes sociais para que a faixa adolescente tivesse voz nas eleições deste ano.
Até mesmo Mark Ruffalo, ator de Hollywood que interpreta o super-herói Hulk nos filmes da Marvel, fez um apelo em seu twitter: “Hey amigos do Brasil. Se você tem 16 ou 17, se certifique de registrar para votar até o prazo de 4 de maio. O que acontece no Brasil importa para todos nós. Seu voto é poder. Use seu poder!”
Imagem da Campanha Jovem Eleitor (Foto: Tribunal Superior Eleitoral)
Polarização é um problema
Apesar da efetividade da campanha e dos relatos dos jovens sobre a importância do voto, não é de se ignorar os números desanimadores de fevereiro, quando a procura pelo título era baixa. O professor Raphael Kapa acredita que é um problema circunstancial, do momento atual, e não um problema sistêmico. “A questão política se tornou muito polarizada nos últimos anos. Muitas vezes você pensar política vira uma questão de tomar um lado. Quando na verdade é uma questão cotidiana também.” contou Kapa.
A própria ideia de escolher um partido pode colaborar com isso, inclusive mais do que a questão de votar em candidatos jovens que representam a nova geração, por exemplo. É o que explicou Fernando Lima.
— Acredito que esse desinteresse está mais relacionado com o arrefecimento ideológico dos partidos do que a ausência de candidatos jovens. Pesquisas sobre cultura política em muitos países apontam para a descrença generalizada nos partidos políticos, embora persista a identificação dos eleitores com a democracia. Cria um paradoxo, as mesmas pessoas que reconhecem a democracia como melhor forma de regime político criticam visceralmente os partidos políticos, que constituem uma condição imprescindível. — discorreu o cientista político.
Ao refletir sobre o papel do professor, Kapa explicou que é importante passar para os alunos que a política não se dá apenas de 2 em 2 anos. Também está nos cotidianos, nas relações pessoais, na rua e as pessoas vivem política. “A partir daí a experiência de uma eleição muda, porque esse olhar deixa de ser meramente midiático, da pessoa que fala da TV ou do indivíduo que se expressa nas redes sociais. Política passa a ser de uma vivência”.
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