top of page
Foto do escritorAdrianne Magalhães

Descrença na política brasileira provoca círculo vicioso

Atualizado: 29 de jun. de 2022

Para o entrevistado Ricardo Ismael: "É preciso sair dessa situação passiva, que espera sempre alguém falar alguma coisa. As pessoas precisam também assumir o seu papel".


Homem indo mostrar o documento para votar com a cabina de votação ao fundo.

(Foto: ON Jornal/conselho.saude.gov.br)


O desinteresse e o alienamento dos brasileiros pela política, presentes a cada eleição, são fruto de um processo de desilusão causado pela postura passiva que os eleitores adquiriram ao longo dos anos. Esse comportamento provoca um ciclo vicioso e afeta a cobrança sobre os candidatos eleitos, alertou o cientista político e professor da PUC-Rio Ricardo Ismael. Os eleitores, segundo ele, acreditam que políticos são todos iguais e nada vai mudar.


O próprio Senado Federal, que vai renovar um terço de seus integrantes em outubro, teve a oportunidade de conhecer o grau de descrença do eleitorado ao promover uma pesquisa de opinião em colaboração da Universidade de Brasília (UnB) em 17 de março. De acordo com o resultado, 62% dos eleitores brasileiros têm vergonha do Brasil, e 38% gostariam de morar em outro país.


A mesma pesquisa, aplicada pela Agência Senado, demonstrou que entre os jovens este número é maior ainda: 70% deles têm vergonha e 40% querem ir embora, porque não têm esperança.


Desdobramentos da desilusão


A análise do cientista político ilustra os números apontados na pesquisa. De acordo com Ricardo Ismael, o sentimento de desencanto e de descrédito com a política do país causa uma resignação, um afastamento com a política. Por isso o brasileiro decide abandonar o país porque pensa que não tem mais jeito. Regularmente ocorre uma quebra de expectativas que foram criadas durante a campanha eleitoral, pois quando o candidato é eleito muitas vezes tem dificuldade de concretizar as promessas.


Esses sentimentos de resignação, de acreditar que a política e os políticos são assim mesmo, Ismael coloca como quase uma desistência de votar ou mesmo de apostar em uma renovação.


A chefe de gabinete da Escola Judiciária Eleitoral, Mariana Musse, comentou que as pessoas continuam reproduzindo de uma forma cíclica discursos negativos como: o entendimento de que votar é obrigação e de que não é preciso cobrar do político eleito o projeto apresentado. Para Musse essa maneira de pensar mostra a falta de compreensão de como realmente funciona o processo eleitoral, para eles a única coisa clara é que estão desiludidos com a política. Assim Mariana chega a conclusão que o baixo nível de conhecimento sobre o sistema político afeta diretamente as eleições.


- O desconhecimento do eleitor sobre o legislativo do Senado, da Câmara dos Deputados e mesmo no âmbito estadual, a Assembleia Legislativa, faz com que muitas vezes o eleitor tenha a falsa impressão de que elegendo o presidente e o governador está tudo resolvido, o que não é verdade - analisou Ricardo Ismael.


O Brasil é um país federativo, isso quer dizer que muitas decisões são ligadas ao governo federal, outras ao estadual e outras ao governo municipal. Assim, o professor apontou que mesmo com todo o poder do presidente, os três níveis precisam estar funcionando para que as coisas caminhem. Por isso, ao colocar um peso muito grande na presidência, como se lá fosse o lugar onde tudo se resolve e que o presidente eleito é o salvador da pátria, é comprar uma desilusão. Ele disse também que existe um personalismo muito grande na política brasileira, isso torna muito mais fácil que esse desencanto se instaure no eleitor.


Sociedade passiva X Sociedade ativa


Mesmo com todos esses aspectos Mariana Musse acredita que é possível mudar o pensamento e a maneira que a política é vista pelos eleitores. Contudo, é necessário que sejam feitas algumas mudanças. Ela disse que "é um discurso que aos poucos, muito aos poucos, a gente consegue ir mudando, esclarecendo porque as pessoas, justamente por não entender o seu papel, por não entender o sistema político, se colocam em uma posição passiva. Os brasileiros pensam: 'eu vou escolher o político e não tem mais o que fazer', o que não é a verdade".


Na visão da chefe de gabinete da Escola Judiciária Eleitoral, as pessoas têm que compreender o seu lugar na sociedade e entender que os políticos não estão acima em relação à população. Ricardo Ismael completa esse raciocínio: há muito tempo, a sociedade passiva acredita que os problemas são resolvidos de cima para baixo e de que não é preciso uma pressão social. Ambos acham que é necessário uma cidadania mais ativa, ou seja, é preciso que o trabalho do eleitor não se esgote quando o político é eleito. É necessário acompanhar ao menos as questões que dizem respeito ao cotidiano e cobrar dos políticos as promessas feitas durante a campanha.


- É necessário também que, depois das eleições, as pessoas não fiquem só reclamando que as coisas estão erradas, ou que as coisas não acontecem. Os eleitores têm que pressionar para que as reivindicações entrem na pauta, na agenda dos governos, e devem fiscalizar essa implementação - afirma Ricardo Ismael.


Se atentar às pautas propostas e buscar conhecer e saber mais sobre cada candidato, sobre a qualificação e sobre o que ele é realmente capaz de fazer ou não é extremamente importante para se tomar uma decisão coerente. Mariana comenta que a partir do momento que o eleitor tem consciência do seu papel na sociedade, ele começa a não aceitar qualquer coisa, ele passa a ouvir discursos ou tendências populistas e questionar. É através da busca e do conhecimento que a sociedade consegue saber e entender até que ponto determinada promessa pode ser feita ou não. É assim que o eleitor vai saber escolher o candidato de uma maneira mais 'fria', não somente baseado na emoção.


Momento de mudar


Na visão de Mariana, é necessário que haja uma maior educação política na sociedade. O interesse da classe política não é estimular o desenvolvimento de cidadãos conscientes de seu papel ativo. Para eles, o interessante é manter uma massa passiva que aceite o que está lá. Mariana coloca que "tudo passa pela educação política, pela educação cidadão, por esse papel de protagonismo que cada um tem que aprender a exercer".


A cidadania ativa é um componente indispensável para que o país possa avançar e, na atualidade, com o universo digital, as informações estão mais próximas do candidato. Uma maneira de sair da passividade para Ricardo Ismael é a pesquisa nos meios tecnológicos que estão acessíveis a praticamente todas as pessoas. Essa iniciativa deve partir do eleitorado.


- Um país como o nosso precisa de renovação de valores, ou seja, que a gente possa fazer com que a população lute mais, não apenas pelo combate à corrupção, mas também pela própria democracia - complementou.


Por fim, Mariana Musse afirmou que os eleitores devem continuar cobrando os políticos. Há mecanismos que ajudam a fazer essa cobrança:


- O eleitor pode acompanhar pelos meios de comunicação, da Câmara, do Senado... Todos eles têm canais que você pode estar por dentro dos projetos de lei que estão sendo votados. Com isso, é possível fazer pressão popular quando você vê que determinado político não está seguindo pelo caminho. Principalmente hoje, as redes sociais podem ser utilizadas para o mal, digamos assim, para disseminação de informações falsas, mas também é um mecanismo interessante de pressão, principalmente de figuras públicas.


31 visualizações0 comentário

コメント


bottom of page