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Foto do escritorGabriel Meirelles

Regulação das mídias em ano eleitoral divide opinião entre especialistas

Atualizado: 29 de jun. de 2022


Artista se manifesta contra o Presidente da República, Jair Bolsonaro, no Lollapalooza 2022. O festival foi alvo de ação do TSE (Foto: Reprodução / VEJA)


A regulação das mídias é necessária, especialmente em períodos eleitorais, mesmo que implique em algum tipo de censura. É o que defendem o coordenador do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política (COMP), professor Arthur Ituassu, e o presidente da comissão acadêmica da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ), professor Luis Gustavo Grandinetti. Para o primeiro, é melhor resolver os problemas da regulação do que não regular. Para o segundo, a democracia sucumbiria se não houver a restrição das fake news.


Por outro lado, a deputada federal Chris Tonietto (PL-RJ) e o advogado do Partido Novo Rodrigo Marinho defendem que a regulação implica em restringir o direito de o cidadão falar o que quiser. Para os dois políticos, a democracia tem como pilar a liberdade de expressão, e, portanto, o ato de regular destruiria a democracia.


Processos do jogo político


A discussão sobre a importância ou não de haver um filtro nos conteúdos veiculados na internet e nas redes sociais cresce conforme as eleições federais e estaduais de 2022 se aproximam. Segundo Arthur Ituassu, a mentira sempre existiu na política. O professor da PUC do Rio de Janeiro acredita que o problema das fake news de hoje é o alcance e que elas podem tomar. Para ele, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016 e a de Jair Bolsonaro no Brasil em 2018 são alertas para as próximas eleições sobre o que a desinformação na internet pode proporcionar.


– Fazer fake news exige tempo e recursos das campanhas. Tem estratégias. Não quer dizer uma mentira efetivamente, mas plantar uma dúvida na cabeça daquele eleitor sobre o caráter e a qualidade de determinado político. Isso, de uma certa forma, faz parte do jogo político também, só que ganhou uma dimensão enorme por causa das mídias digitais, dessa infraestrutura comunicacional.


O professor Grandinetti observou que é lícito o Congresso regulamentar o uso da liberdade de expressão se for para a proteção da própria liberdade de expressão ou de um bem maior. O presidente da comissão acadêmica da EMERJ destacou, ainda, que a autocensura das plataformas é uma alternativa – não ideal, mas possível – para o combate da desinformação. Ele lembra do envio de uma carta para a coluna dos leitores de um jornal impresso. Nesta prática, a empresa decide se o texto entra ou não na edição. Baseado neste exemplo que ocorre há décadas, Grandinetti notou que faz sentido uma plataforma digital privada, como Youtube e Facebook, escolher se um conteúdo deve permanecer no site ou não.


– Eu sempre defendi que você combate desinformação com mais informação, não com censura ou restrição. Hoje, eu não posso apenas dar essa resposta, porque as fake news, particularmente no Brasil, representam um risco à democracia. Então, em alguma medida, alguma censura vai ser possível, vai ser legítima, vai ter que ser aceita. A regulamentação não é para impedir o funcionamento das instituições ou a liberdade de expressão. A regulamentação, às vezes, é para facilitar.


Casos recentes no Brasil: Telegram e Lollapalooza


Luis Gustavo Grandinetti definiu a censura como “um ato administrativo que inibe a manifestação de expressão e não está sujeito ao devido processo legal”. A partir deste conceito, ele analisou dois casos recentes sobre o debate entre liberdade de expressão e censura no Brasil: a suspensão do aplicativo Telegram pelo ministro do STF Alexandre de Moraes e a proibição de manifestações políticas no festival Lollapalooza pelo TSE. De acordo com o professor, a primeira decisão foi correta porque a soberania de um país e as leis nacionais devem ser respeitadas por empresas estrangeiras que desejam instalar seus produtos aqui. No segundo caso, não houve censura, mas, na opinião dele, foi uma decisão judicial equivocada.


– O Tribunal não agiu espontaneamente. Foi provocado pela parte que cabia provocação. A decisão do ministro está sujeita a recurso, e, portanto, ao crivo dos pares. Ele sabia que cairia, e por isso revogou a decisão. Não há regulamentação que proíba artista e público do Lollapalooza de emitirem as suas opiniões.


Liberdade de expressão e democracia


A deputada federal Chris Tonietto acredita que qualquer tipo de regulação da internet implica em censura. A advogada se preocupa com as tentativas de se regular as mídias sociais, pois poderia atacar o direito à liberdade de expressão, que, na opinião dela, é um “postulado da democracia”. Portanto, uma lei de regulação da internet seria um ataque à democracia. Chris salientou que a internet se autorregula e, por isso, não vê sentido em criar uma nova lei para regulá-la. Ela ressaltou que o Direito Brasileiro já prevê a punição do abuso da liberdade de expressão nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, que condena, respectivamente, a calúnia, a difamação e a injúria.


– É óbvio que ninguém quer que se propague notícias falsas. Eu entendo que a gente tem que lutar contra as notícias falsas. Agora, a própria internet vai fazer questão de apresentar o que é notícia falsa e depois combater com a verdade e dando amplitude a ela. Eu acho que regular uma coisa que já está prevista na lei, ou então um excesso de regulação, poderia implicar numa fragilidade da democracia.


Chris frisou que não pode querer o silenciamento de pessoas com pensamentos opostos ou diferentes ao dela. Para combater essas colocações, a advogada expõe publicamente seu ponto de vista e argumenta as razões pelas quais discorda de tal posicionamento. A deputada carioca reconhece que as pessoas públicas estão passíveis de críticas, às vezes injustas, e precisam saber lidar com isso e conviver com as diferenças. A advogada concluiu com um alerta para a posição de poder e prestígio que os checadores de informação podem ser colocados na luta contra a desinformação.


– Estão tentando tipificar como crime as fake news. Nós não podemos esquecer que tem um grau de subjetivismo que vai conceder àqueles que são os checadores uma espécie de hegemonia de autoridade no dizer do que é o certo e o que é errado, no que estaria certo e no que teria que ser “reprovável”, mas você fica refém dos tais fiscais. Quem vai checar esses fiscais? Quem vai de fato dizer, verificar, fazer essa apuração fidedigna? Quem vai checar os checadores? Eu sou contra leis subjetivas demais, porque abrem precedentes para brechas no grau de interpretação.


Silenciamento dos adversários e censura prévia


O advogado Rodrigo Marinho explicou que as leis sempre restringem e devem ser medidas não pela intenção, mas pelos resultados. Ele trouxe o exemplo da Lei de Acesso à Informação, de 2011, na qual está previsto o sigilo de 100 anos sobre determinados documentos. Para o jurista cearense, uma legislação sobre fake news, apesar de, aparentemente, visar o combate à mentira, teria como objetivo disfarçado a censura prévia.


Marinho acrescentou que a principal forma de se fazer campanha política hoje em dia não é mais pelos meios de comunicação tradicional, mas pelas plataformas digitais. Na opinião do advogado do Partido Novo, as redes sociais quebraram a centralização da informação, pois diminuíram o poder dos poucos grupos que a detinham e ampliaram a liberdade de expressão dos cidadãos. Ele enxerga a regulação das mídias em geral como uma maneira de silenciar adversários e selecionar quem pode e quem não pode falar.


– Pela primeira vez na História, nós estamos tendo pequenos indivíduos com muito poder em plataformas, com muita informação, com um mega fone muito grande, e isso é visto como ameaça, e não como algo positivo. Se há algo benéfico à democracia, são as redes sociais. São as possibilidades de os indivíduos falarem, se manifestarem, e ao mesmo tempo, é ter sempre o idiota, como sempre teve e sempre terá. A liberdade de expressão é você ouvir o idiota, é ouvir exatamente aquilo que você acha repugnante.

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